Quem dera meu nihilismo fosse teórico. Vivo em um momento cultural no qual é indiferente crer em Deus ou não, a maioria das pessoas não se torturam pensando na possibilidade da existência de Deus, isto simplesmente não faz parte da sua rede de crenças e dogmas. Não. O Deus organizador do meu ser é outro, mais humano, mais quente e mais doloroso: o amor.
Na falta de Deus, criei minhas próprias crenças, sou a minha própria igreja e enquanto tal permaneço distante. As pessoas que chegam até mim, compreendem minhas crenças não-ditas, e as respeitam pois são universais, todavia, malditas: longe de trazer alguma paz numa realidade transcendente, traz profundo sufoco em uma perpétua oscilação de uma realidade imanente. Minhas crenças não dependem de mim, e no fundo, nem dos outros, mas apenas de um consórcio de uma cadeia infinita de acontecimentos fortuitos. Quem dera as pessoas compreendessem quão raro e espetacular é tal acontecimento; pense nas infinitas possibilidades que temos todos os dias, em tudo que poderia nos ocorrer, em tudo que poderíamos fazer. Na maior parte do tempo nos encontramos na vastidão de um mar totalmente deserto, inseguros e insatisfeitos; desfrutamos de um tempo infinito para fazermos aquilo que nos apetece, mas como não somos feitos para lidar com a eternidade, no final, no lugar de desfrutarmos desta, criamos inúmeras mentiras, nas quais, piamente acreditamos; no lugar de seguirmos nossos desejos e nossas vontades de modo totalmente puro e assim vivermos intensamente a eternidade que nos é dada, nos fechamos em nossas próprias intrigas, e jazemos completamente insatisfeitos. Desta maneira, quando nos bate à porta a possibilidade de vivermos intensamente, nos fechamos em nossas mentiras, não podemos aceitar a possibilidade de algo tão bom ocorrer conosco. Fugimos desesperados, criando e copiando todo tipo de mentira, nos despistando dos outros e de nós mesmos.
O pilar da minha religião é o coração, e por isso mesmo ela está fadada ao fracasso. Toda segurança por ele encontrada é espezinhada pelo mundo; vago, então, de peito vazio, anulado pela força absurda de uma realidade inexorável. Quem dera meu nihilismo fosse teórico, mas, muito pelo contrário, ele decorre da total inconsistência das ações humanas e se reflete em cada detalhe do meu mundo. Acreditando na coerência que as pessoas expressam, o abismo sem fim no qual há tempos eu caio se torna cada vez mais escuro e vasto, explicando, talvez, uma angústia presente em meu estômago. Quem me dera as pessoas se dessem conta desta improbabilidade e então aproveitassem quando a possibilidade de ver o sol nascer acompanhado lhe batesse à porta! Não... É mais fácil, seguro e cômodo ver o sol se pôr sempre do mesmo cômodo.