terça-feira, 24 de maio de 2011

Nihilismo


Quem dera meu nihilismo fosse teórico. Vivo em um momento cultural no qual é indiferente crer em Deus ou não, a maioria das pessoas não se torturam pensando na possibilidade da existência de Deus, isto simplesmente não faz parte da sua rede de crenças e dogmas. Não. O Deus organizador do meu ser é outro, mais humano, mais quente e mais doloroso: o amor.
Na falta de Deus, criei minhas próprias crenças, sou a minha própria igreja e enquanto tal permaneço distante. As pessoas que chegam até mim, compreendem minhas crenças não-ditas, e as respeitam pois são universais, todavia, malditas: longe de trazer alguma paz numa realidade transcendente, traz profundo sufoco em uma perpétua oscilação de uma realidade imanente. Minhas crenças não dependem de mim, e no fundo, nem dos outros, mas apenas de um consórcio de uma cadeia infinita de acontecimentos fortuitos. Quem dera as pessoas compreendessem quão raro e espetacular é tal acontecimento; pense nas infinitas possibilidades que temos todos os dias, em tudo que poderia nos ocorrer, em tudo que poderíamos fazer. Na maior parte do tempo nos encontramos na vastidão de um mar totalmente deserto, inseguros e insatisfeitos; desfrutamos de um tempo infinito para fazermos aquilo que nos apetece, mas como não somos feitos para lidar com a eternidade, no final, no lugar de desfrutarmos desta, criamos inúmeras mentiras, nas quais, piamente acreditamos; no lugar de seguirmos nossos desejos e nossas vontades de modo totalmente puro e assim vivermos intensamente a eternidade que nos é dada, nos fechamos em nossas próprias intrigas, e jazemos completamente insatisfeitos. Desta maneira, quando nos bate à porta a possibilidade de vivermos intensamente, nos fechamos em nossas mentiras, não podemos aceitar a possibilidade de algo tão bom ocorrer conosco. Fugimos desesperados, criando e copiando todo tipo de mentira, nos despistando dos outros e de nós mesmos.
O pilar da minha religião é o coração, e por isso mesmo ela está fadada ao fracasso. Toda segurança por ele encontrada é espezinhada pelo mundo; vago, então, de peito vazio, anulado pela força absurda de uma realidade inexorável. Quem dera meu nihilismo fosse teórico, mas, muito pelo contrário, ele decorre da total inconsistência das ações humanas e se reflete em cada detalhe do meu mundo. Acreditando na coerência que as pessoas expressam, o abismo sem fim no qual há tempos eu caio se torna cada vez mais escuro e vasto, explicando, talvez, uma angústia presente em meu estômago. Quem me dera as pessoas se dessem conta desta improbabilidade e então aproveitassem quando a possibilidade de ver o sol nascer acompanhado lhe batesse à porta! Não... É mais fácil, seguro e cômodo ver o sol se pôr sempre do mesmo cômodo.

terça-feira, 17 de maio de 2011

...


Que dizer? As vezes é como se eu vivesse sem mim. Uma inconsciência tão forte que simplesmente me leva... Se tento entender, acompanha-me uma tristeza que parece estar em cada lugar que reparo. E é impossível não reparar, mesmo aguardando o sono, na esperança de esquecer, muitas vezes não durmo, assistindo a um espetáculo de imagens, sons, odores, prazeres, que, apesar de serem todos meus, são mesmo assim exteriores a mim. Muito embora tão relaxado com a vida, não consigo um momento de relaxamento.
E a vida, assim, persiste em me devorar. Meu corpo, também exterior a mim, reclama com um involuntário torcer de lábios... Não percebo-o torcendo, apenas já torcido, e sem querer me vejo simplesmente mais triste. Talvez a suavidade do vento gelado tocando minha pele, a profusão de barulhos vindos da rua que, aparentemente, nada me dizem, ou ainda o cinza que invade todo o céu; tudo isto nada me diz, ou pode ser que tudo diga... talvez ainda, tão sem querer, como a sombra se escondendo da luz, eu guarde de mim um segredo que, buscando revelá-lo, atiço a força da iluminação, vejo assim melhor muitos detalhes, todavia não importa a força do clarão: a sombra continua a sê-la.
Onde há luz há sombra. Por trás do céu cinzento, esconde-se um azul sem igual... além do azul: trevas. Não, hoje não estou para pensar o Mistério, a sombra que engolfa toda a luz, e talvez, por isso mesmo, permeia-a. O que me entristece é algo aqui dentro, muito embora, sendo sombra e desconhecimento, talvez haja um forte parentesco.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Comentando Click


   Como diria Exuperry “as pessoas grandes tem sempre necessidade de explicações”, sendo assim, resolvi explicitar para elas algumas ideias presentes no filme “Click”. Sim, isso mesmo, “Click”, aquele filme do controle remoto, comedinha holywoodiana. Neste momento você se pergunta: “Que merda de ideias terão naquele filminho?” É por isso que as pessoas grandes tem sempre necessidade de explicações.
   Vejamos, o filme fala de um homem que ganhou um controle remoto que lhe dá a capacidade de alterar o tempo, quando ele acelera, é como se ligasse o automático, fica totalmente passivo ao ambiente, ou seja, ele não age, apenas reage, não tem interesse nenhum pelo que acontece a sua volta, portanto, neste estado ele não percebe absolutamente nada que acontece a sua volta. Todavia, o controle é inteligente, ele aprende as preferências do usuário, e assim ele começa a passar automaticamente pra frente vários momentos mesmo se o seu possuidor quisesse usufruir mais.
   Agora pergunto, o que é esse controle?
   Eu diria que todos nós o possuímos e que costumamos fazer a mesma coisa que o personagem principal faz, ligamos o automático e assim deixamos de perceber cada instante de nossa vida. É interessante notar no filme os momentos em que o automático do controle é desligado, ele começa a reparar no mundo a sua volta, questiona as pessoas, é como se ele se fizesse presente, e nos momentos do automático o oposto, ele estivesse ausente.
   Quando ele percebe a furada que ele entrou, ele faz de tudo pra se livrar do controle e não consegue, então, em uma manhã, compreendendo como o controle funciona, ele simplesmente modifica todas as suas ações, ele levanta e não vai tomar banho, pois isso acionaria o automatico; ele não troca de roupa; não pega o carro; conclusão, ele vai trabalhar de bicicleta trajado num roupão de banho. Com isso, ele consegue que o tempo não passe mais rápido, consegue apreciar a viagem e a chegada ao trabalho.
   Vejamos, não costumamos falar que conforme vamos envelhecendo o tempo vai passando mais rápido? Será que isso se deve porque ligamos o automático? Porque desaprendemos a aprecisar o mundo? “And then one day you find ten years have got behind you. No one told you when to run, you missed the starting gun.”
   Para quem não viu o filme, melhor parar de ler agora, pois vou falar o final dele! Rs! Quando ele morre no final, o anjo que lhe deu o controle, vai até ele buscá-lo, pois ele é o anjo da morte. Pois bem, neste momento ele volta no instante anterior ao qual encontrou o controle, ele estava dormindo, tudo aquilo era um sonho absurdamente real. Ele, então, eufórico com a vida, sai dançando pela rua, cantando, fala pro pai que o ama, beija sua mulher, brinca com seus filhos, tudo aquilo que no automático ele não fazia, no automático ele só conseguia trabalhar. Vejamos, a vida dele já estava ligada no automático mesmo antes do controle chegar; quem foi que lhe ensinou a lição, que fez com que ele passasse a apreciar a vida? Justamente a morte. E nós costumamos nos esquecer dela também, pensamos que vamos viver para sempre, isso também nos ajuda a continuar no automático.
   Pois é, você já havia visto o filme né? Havia se dado conta disso tudo? Exuperry estava certo... Vamos então voltar a ser crianças, desligar o automático e sentir mais a vida, ela é boa demais pra deixarmos passar despercebida.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Zé adormecido

Em algum momento, o qual era impossível definir, mesmo porque ele se acostumou a esquecer, Zé dormiu profundamente. Não narrarei a monótona história de alguém deitado em seu leito, mas sim, a monotonia que Zé nem sentia enquanto reagia a um mundo no qual ele nada via de especial. Zé, sistematicamente se levantava às seis e quinze da manhã em ponto, com a mão esquerda desligava o aparelho que quase nem precisava tocar, pois, como um relógio, ele se levantava junto com o som do despertador. Sua mulher nem se mexia, aprendeu a continuar dormindo sob a movimentação matinal de seu marido.
Na cozinha, preparava o espresso na máquina, a qual precisava ser trocada: para o Zé era preciso ser sempre o último modelo. O jornal em mãos lhe dizia as mesmas coisas de troscentos anos atrás: desgraças, misérias, esperanças, mentiras, ilusões; tudo aquilo que Zé precisava para não se deparar com o branco da parede à sua frente, com este propósito a TV da cozinha ficava ligada espantando o assombroso silêncio.
Com o trânsito, não precisa se preocupar, seu carro vem com DVD de fábrica; liga qualquer filme que o desligue de si e tempos depois chega ao trabalho. Frases ensaiadas há anos são trocadas com as pessoas do trabalho: - Bom dia! Choveu bastante né? - Você viu a desgraça que aconteceu? - E os efeitos especiais do novo filme, você viu? - A Maria vai ficar com o João na novela?
Entra em seu escritório, liga o computador, finge que trabalha, assim como finge que é feliz ou que é triste, que ama sua mulher, que adora seu emprego, que é satisfeito ou insatisfeito com sua vida, que mexe no computador, que se interessa pelo tempo, pela política, pela novela, pelo mundo: Zé finge que vive. Mas tudo bem, as pílulas que a psiquiatra lhe receitou o ajudam a esquecer, não que há um mundo real e diferente lá fora, mas simplesmente, que há um mundo.
Zé se encaixou perfeitamente na sociedade: estudou, se formou, se casou; agora trabalha, recebe bem, consome bem e vive bem... vive bem? A vida de Zé é muito invejada, afinal, ele recebe muito bem, tem sempre um sorriso no rosto e tem tudo que uma vida capitalista tem a oferecer: Zé é a prova de que dinheiro traz felicidade. É mesmo?
Um belo dia ao se trancar em seu escritório, Zé sabia haver algo estranho. Ligou rapidamente seu computador, mas vacilou em olhar pra tela buscando notícias, entretenimento e prazer barato; ele se distraiu do tempo que fazia la fora, do trama da novela, do terremoto de ontem... nada disto mais lhe chamava a atenção. Quando se deu conta ele estava frente à frente com a parede: lisa, branca, vazia... o barulho natural do escritório deixara de ser ouvido: um silêncio assustadoramente alto tomou conta de todo o mundo. Sua respiração se fez presente, sentiu em seu ombro uma certa tensão, se lembrou que tinha síndrome das pernas inquietas quando percebeu que ela se mexia sem parar. Está quente? Começou a transpirar, sentia cada poro do seu corpo eliminando suor indesejado... não, sentia frio. Como se pegasse um lençol estirado, bem preso pelas pontas, e começasse a torcer-lhe o centro, Zé se contorcia por dentro, tentava manter a linha, mas um nó enlaçou-se em seu pescoço e uma profunda pressão em seu peito dificultava-lhe a respiração. Pensou: estou vivo!!! Assombrado, arrebatado, desnorteado, Zé se levantou da cadeira. Suas pernas estremeceram: o branco continuava ali e o silêncio gritava em seus ouvidos. Se lembrou de um pesadelo que tivera quando menino: um homem de terno tentava lhe explicar alguma coisa que ele não queria saber, quanto mais o homem falava, menos ele entendia; até que, ele reparou nos olhos do homem e viu que era totalmente vazio, sem cor, sem vida, sua pele era totalmente pálida. Quem é você? Gritou o zézinho. Eu, respondeu o homem, sou você. Acordou tremendo chorando, ao que sua mãe veio lhe socorrer. Mãe? Não adiantava chamar, ele já havia se distanciado antes mesmo dela ter morrido. Sentiu toda a angústia atravessar o nó que havia em sua garganta, seu rosto se contorceu e conjuntamente com um tremor involuntário dentro de si fez jorrar em sua face um líquido quente. Estou vivo!!! Chorava inconsolado. Não conseguia mais se distrair, o branco e o silêncio tomaram conta de si, foi quando algo passou pela sua cabeça: o remédio! Não havia tomado a pílula. Após tomá-la, instantaneamente o efeito placebo lhe permitiu se distrair pensando no jogo que seu time fará a noite; mas não era suficiente, vacilava sua atenção e o abismo surgia-lhe diante dos pés. Tomou mais um remédio.
Ainda meio tremendo, com o resto molhado, Zé voltou a se esquecer; ligado o automático poderia continuar a envelhecer profundamente adormecido. Em sonhos lembrava-se de quando era vivo: intensas cores eram aquelas do parquinho ao lado de sua casa, o vermelho do escorrega, o azul do gira-gira, o azul do céu... como era bom brincar ali na areia onde ele construía imensos castelos, sem se preocupar que com o mais leve deslize ele poderia vir abaixo. Mas, ao se levantar, nenhum traço de vida era levada consigo para dar qualquer sentido ao seu dia a dia.